
Friedrich Engels
I - O que é o comunismo?
O comunismo é a doutrina das condições de libertação do proletariado.
II - O que é o proletariado?
O proletariado é a classe da sociedade que retira sua subsistência unicamente da venda de seu trabalho e não do lucro de um capital qualquer; a classe cujo bem-estar, cuja vida e cuja morte, cuja existência toda depende da demanda de trabalho, quer dizer, da alternância de bons e maus períodos de negócios, das flutuações de uma concorrência desenfreada. O proletariado ou a classe dos proletários é, numa palavra, a classe trabalhadora do século XIX.
III - Sempre existiram proletários?
Não. Classes pobres e trabalhadoras sempre existiram, e na maior parte das vezes as classes trabalhadoras foram pobres. Porém, pobres como esses, trabalhadores como esses, vivendo nas condições acima indicadas, quer dizer, proletários, não existiram sempre, do mesmo modo que a concorrência nem sempre foi livre e desenfreada.
IV - Como surgiu o proletariado?
O proletariado surgiu da revolução industrial que aconteceu na Inglaterra na segunda metade do século passado e que se repetiu depois em todos os países civilizados do mundo. Essa revolução industrial foi provocada pela invenção da máquina a vapor, das diversas máquinas têxteis, do tear mecânico e de toda uma série de outros dispositivos mecânicos. Tais máquinas, que eram muito caras e, por isso, só podiam ser adquiridas pelos grandes capitalistas, transformaram completamente o antigo modo de produção e suplantaram os antigos trabalhadores, já que as máquinas forneciam mercadorias melhores e mais baratas do que as que os trabalhadores podiam fabricar com suas rocas de fiar e seus teares imperfeitos. Essas máquinas puseram a indústria inteiramente nas mãos dos grandes capitalistas e desvalorizaram a pequena propriedade dos operários (ferramentas, teares, etc), até que os capitalistas apropriaram-se de tudo e nada mais restou aos operários. Implantou-se desse modo o sistema fabril na produção de tecidos. Uma vez dado o primeiro impulso à introdução da maquinaria e do sistema fabril, esse sistema estendeu-se rapidamente aos demais ramos industriais, principalmente à estamparia de tecidos, à tipografia, à cerâmica e à indústria metalúrgica. O trabalho foi dividido cada vez mais entre os operários, e o operário que antes fazia um objeto inteiro passou então a fazer apenas uma parte desse objeto. Tal divisão do trabalho permitiu que os produtos pudessem ser fabricados mais rapidamente e, portanto, a menor preço. Reduziu a atividade de cada operário a um movimento mecânico muito simples, constantemente repetido, que podia ser não só realizado mas também melhorado por uma máquina. Desse modo, todos os ramos industriais foram caindo, um após o outro, sob o domínio da força a vapor, da maquinaria e do sistema fabril, a exemplo das fiações e tecelagens. Conseqüentemente, passaram de uma vez por todas e integralmente para as mãos dos grandes capitalistas, e os operários foram despojados dos últimos resíduos de independência. Pouco a pouco, além da manufatura propriamente dita, também o artesanato caiu sob o domínio do sistema fabril: os grandes capitalistas, instalando grandes oficinas que lhes permitiam diminuir os custos e dividir o trabalho em grande escala, suplantaram progressivamente os pequenos mestres-artesãos. E assim chegamos à situação atual, em que, nos países civilizados, quase todos os ramos de trabalho funcionam com o sistema fabril e em quase todos os ramos de trabalho a grande indústria suplantou o artesanato e a manufatura. Com isso, arruinou-se cada vez mais a antiga classe média, em particular os pequenos mestres-artesãos, transformou-se completamente a antiga situação dos trabalhadores e foram criadas duas classes novas, que pouco a pouco absorveram todas as demais, a saber:
a) A classe dos grandes capitalistas, que em todos os países civilizados já tem a posse quase exclusiva de todos os meios de subsistência, e também das matérias-primas e dos instrumentos (máquinas, fábricas) necessários à produção dos meios de subsistência. Essa é a classe dos burgueses ou a burguesia.
b) A classe dos que não possuem absolutamente nada, que são obrigados a vender aos burgueses seu trabalho, para receber em troca os meios de subsistência necessários à sua manutenção. Essa classe denomina-se classe dos proletários ou proletariado.
V - Em que condições se realiza essa venda do trabalho dos proletários aos burgueses?
O trabalho é uma mercadoria como todas as outras e o seu preço é portanto determinado exatamente segundo as mesmas leis que regem o preço de todas as demais mercadorias. Entretanto, sob o domínio da grande indústria ou da livre concorrência - que, como veremos, são a mesma coisa - o preço de uma mercadoria é em média sempre igual ao custo de produção dessa mercadoria. O preço do trabalho, portanto, também é igual ao custo de produção dessa mercadoria. Mas o custo de produção do trabalho consiste exatamente na quantidade de meios de subsistência necessários para o operário manter sua capacidade de trabalho e para impedir a extinção da classe operária. Portanto, o operário não receberá por seu trabalho mais do que o necessário para esse fim; o preço do trabalho, ou o salário, será portanto o mínimo estritamente necessário à subsistência. Porém, como os períodos de bons negócios alternam-se com os períodos de maus negócios, o operário receberá umas vezes mais outras menos, exatamente como o fabricante que recebe umas vezes mais outras menos por suas mercadorias. Contudo, do mesmo modo que o fabricante, na média dos bons e dos maus períodos, não recebe por sua mercadoria nem mais nem menos do que o seu custo de produção, o operário também não receberá, em média, nem mais nem menos do que esse mínimo. Tal lei econômica do salário irá se impor com tanto maior rigor quanto mais a grande indústria for se apropriando de todos os ramos do trabalho.
VI - Que classes trabalhadoras existiam antes da revolução industrial?
As classes trabalhadoras viveram sob diferentes condições e ocuparam posições diferentes diante das classes possuidoras e dominantes, segundo as diferentes fases de desenvolvimento da sociedade. Na antigüidade, os que trabalhavam eram os escravos dos seus amos, como ainda é o caso em muitos países atrasados e inclusive no sul dos Estados Unidos. Na Idade Média, eram os servos dos nobres proprietários de terras, como são ainda hoje na Hungria, na Polônia e na Rússia. Ainda na Idade Média e até à época da revolução industrial, existiam também, nas cidades, oficiais-artesãos que trabalhavam a serviço de mestres pequeno-burgueses; pouco a pouco, com o desenvolvimento da manufatura, surgiram também operários de manufatura, empregados por grandes capitalistas.
VII - Que diferença existe entre o proletário e o escravo?
O escravo é vendido de uma vez por todas; o proletário tem que se vender a si mesmo a cada dia e a cada hora. O escravo individual, propriedade de um senhor, tem, por interesse desse senhor, uma existência assegurada, por mais miserável que seja ela; o proletário individual, propriedade, por assim dizer, de toda a classe burguesa, e que só tem seu trabalho vendido quando alguém dele necessita, não tem a existência assegurada. Apenas está assegurada a existência da classe proletária em seu conjunto. O escravo está fora da concorrência; o proletário está a ela submetido e se ressente de todas as suas flutuações. O escravo é considerado um objeto, não um membro da sociedade civil; o proletário é reconhecido como pessoa, como membro da sociedade civil. Portanto, o escravo pode ter uma existência melhor do que a do proletário, mas o proletário pertence a uma etapa superior de desenvolvimento da sociedade e ocupa também, ele mesmo, uma posição superior à do escravo. O escravo se liberta abolindo, entre todas as relações de propriedade privada, apenas a relação de escravidão e convertendo-se com isso em proletário; o proletário só pode se libertar abolindo a propriedade privada em geral.
VIII - Que diferença existe entre o proletário e o servo?
O servo tem a posse e o uso de um instrumento de produção, de um pedaço de terra, em troca de uma parte do produto ou da prestação de trabalho. O proletário trabalha com instrumentos de produção de um outro, por conta deste outro, e recebe em troca uma parte do produto. O servo cede, o proletário recebe. O servo tem uma existência assegurada, o proletário não. O servo está fora da concorrência, o proletário está a ela submetido. O servo se liberta ou refugiando-se nas cidades para tornar-se artesão, ou dando ao seu senhor dinheiro ao invés de trabalho ou produtos, transformando-se assim em arrendatário livre, ou ainda expulsando o seu senhor feudal e tornando-se ele mesmo proprietário; em resumo, entrando de uma maneira ou de outra na classe possuidora e na concorrência. O proletário se liberta abolindo a concorrência, a propriedade privada e todas as diferenças de classe.
IX - Que diferença existe entre o proletário e o artesão? [ 1 ]
X - Que diferença existe entre o proletário e o operário manufatureiro?
O operário manufatureiro do século XVI ao século XVIII possuía ainda, em quase todas as partes, um instrumento de produção: seu tear, as rocas para sua família, uma pequena área de terra que cultivava nas horas livres. O proletário não possui nada disso. O operário manufatureiro vivia quase sempre no campo, estabelecendo relações mais ou menos patriarcais com seu senhor ou com seu patrão; o proletário vive, em geral, nas grandes cidades e mantém com seu patrão relações exclusivamente de dinheiro. O operário manufatureiro é arrancado pela grande indústria de suas patriarcais condições de vida, perde aquele pouco que ainda possuía e só então se converte em proletário.
XI - Quais foram as conseqüências imediatas da revolução industrial e da divisão da sociedade em burgueses e proletários?
Em primeiro lugar, o antigo sistema da manufatura ou da indústria baseada mo trabalho manual foi completamente destruído, em todos os países do mundo, pela diminuição constante dos preços dos produtos industriais decorrente da introdução do trabalho feito com as máquinas. Todos os países semibárbaros, que até então tinham permanecido mais ou menos à margem do desenvolvimento histórico e cuja indústria ainda se baseava na manufatura, foram violentamente arrancados de seu isolamento. Começaram a comprar as mercadorias mais baratas dos ingleses e deixaram perecer seus próprios operários manufatureiros. Países que após milhares de anos não tinham feito qualquer progresso - a Índia por exemplo - foram completamente revolucionados e até a China caminha agora para uma revolução. A situação chegou a tal ponto que a invenção de uma nova máquina na Inglaterra pode, no espaço de um ano, privar do pão milhões de operários chineses. Desse modo, a grande indústria estabeleceu ligações entre todos os povos da terra, uniu num único mercado mundial todos os pequenos mercados locais, preparou em todas as partes a civilização e o progresso e criou uma situação na qual tudo o que ocorre nos países civilizados repercute necessariamente nos demais países. Assim, se hoje se libertarem os operários na Inglaterra ou na França, isso deve provocar em todos os demais países revoluções que mais cedo ou mais tarde conduzirão à libertação dos operários desses países.
Em segundo lugar, em todas as partes onde a grande indústria substituiu a manufatura, a burguesia aumentou ao máximo sua riqueza e seu poder e torno-se a primeira classe do país. Em conseqüência, em todas as partes onde isso ocorreu, a burguesia tomou o poder político em suas mãos e desalojou as classes até então dominantes: a aristocracia, os mestres-artesãos dos grêmios e a monarquia absoluta que representava os dois grupos. A burguesia destruiu o poderio da aristocracia e da nobreza suprimindo o morgadio, isto é, a inalienabilidade da propriedade fundiária, e os demais privilégios da nobreza. Destruiu o poderio dos mestres dos grêmios suprimindo todas as corporações e todos os privilégios corporativos. No lugar disso tudo colocou a livre concorrência, quer dizer, aquele estado da sociedade em que cada um tem o direito de explorar o ramo industrial que lhe apetece, sem que nada, a não ser a falta do capital necessário para isso, possa impedi-lo. A introdução da livre concorrência representa, portanto, a proclamação pública de que, apartir daquele momento, os membros da sociedade são desiguais entre si unicamente na medida em que são desiguais seus capitais; a proclamação de que o capital é a potência decisiva e de que portanto os capitalistas , os burgueses, tornaram-se a primeira classe da sociedade. Mas a livre concorrência é necessária no início da grande indústria, pois é o único estado social em que ela pode progredir. A burguesia, após aniquilar deste modo o poderio social da nobreza e dos mestres dos grêmios, aniquila também o seu poderio político. E do mesmo modo que se instaurou como primeira classe da sociedade, a burguesia proclama-se também a primeira classe no terreno político. E faz isso mediante a introdução do sistema representativo baseado na igualdade civil diante da lei e no reconhecimento legal da livre concorrência, sistema esse que nos países europeus foi introduzido sob a forma da monarquia constitucional. Nessas monarquias constitucionais somente são eleitores aqueles que possuem um certo capital, quer dizer, somente os burgueses; esses eleitores-burgueses elegem os deputados e esses deputados-burgueses, valendo-se do direito de não pagar impostos, elegem por sua vez um governo burguês.
Em terceiro lugar, por toda parte a revolução industrial desenvolveu o proletariado na mesma medida em que desenvolve a burguesia. O número de proletários aumentou nas mesmas proporções que o enriquecimento dos burgueses. Como os proletários só podem ser empregados pelo capital e como o capital só aumenta na medida em que emprega trabalho, o crescimento do proletariado dá-se na exata correspondência com o crescimento do capital. A revolução industrial concentra ao mesmo tempo burgueses e proletários em grandes cidades, nas quais a indústria pode ser exercida em condições mais vantajosas, e com essa concentração de grandes massas num único lugar dá aos proletários a consciência de sua força. Além disso, quanto mais a revolução industrial se desenvolve, quanto mais se inventam novas máquinas que suplantam o trabalho manual, tanto mais a grande indústria reduz os salários a seu mínimo, como já dissemos, tornando assim cada vez mais insuportável a situação do proletariado. Desse modo, de um lado pelo crescente descontentamento, de outro pelo crescente poderio do proletariado, a revolução industrial prepara a revolução social que será realizada pelo proletariado.
XII - Quais foram as demais conseqüências da revolução industrial?
A grande indústria criou, com a máquina a vapor e as demais máquinas, os meios de aumentar a produção industrial ao infinito, em pouco tempo e com poucos gastos. Graças a essa facilidade de produção, a livre concorrência - conseqüência necessária da grande indústria - adquiriu rapidamente um caráter extremamente violento; uma multidão de capitalistas atirou-se sobre a indústria e em pouco tempo produziu-se mais do que podia ser consumido. Em conseqüência, as mercadorias fabricadas não conseguiam ser vendidas, produzindo-se assim o que se chama crise comercial. As fábricas foram obrigadas a parar, os fabricantes faliram e os operários ficaram sem pão. Apareceu por toda parte uma miséria espantosa. Passado algum tempo, os produtos excedentes puderam ser vendidos, as fábricas recomeçaram a trabalhar, os salários subiram e pouco a pouco os negócios voltaram a prosperar como nunca. Mas ao fim de pouco tempo tornou-se a produzir um excesso de mercadorias e sobreveio nova crise, que se desenrolou exatamente como a anterior. E assim, desde o início do século, a indústria vem oscilando constantemente entre períodos de prosperidade e períodos de crise, e quase regularmente a cada cinco ou sete anos produziu-se uma dessas crises, que foram sempre acompanhadas por uma enorme miséria dos operários, uma excitação revolucionária geral e um grande perigo para toda a ordem existente.
XIII - Quais são as conseqüências dessas crises comerciais que se repetem regularmente?
Em primeiro lugar, a grande indústria, embora tenha sido ela mesma, no primeiro período de seu desenvolvimento, a gerar a livre concorrência, agora já não pode mais conter-se nos limites da livre concorrência; a concorrência e em termos gerais o exercício da produção industrial por parte dos indivíduos converteram-se num entrave que a grande indústria deve romper e romperá; a grande indústria, enquanto continuar funcionando sobre sua base atual, só pode manter-se ao preço de uma confusão geral que se repete de sete em sete anos, que toda vez coloca em perigo a civilização inteira, precipita os proletários na miséria e arruina um grande número de burgueses; conseqüentemente, ou se deve renunciar por completo à grande indústria, o que é absolutamente impossível, ou a grande indústria torna absolutamente necessária uma organização totalmente nova da sociedade, na qual a produção industrial não seja mais dirigida por fabricantes individuais concorrentes entre si, mas por toda a sociedade, segundo um plano determinado e segundo as necessidades de todos.
Em segundo lugar, a grande indústria e a expansão da produção ao infinito por ela permitida tornam possível um estado da sociedade no qual a produção satisfaça a todas as necessidades, de modo que cada membro da sociedade seja posto em condições de desenvolver e exercitar com absoluta liberdade todas as suas energias e aptidões. Assim, é precisamente essa qualidade da grande indústria - que na sociedade atual gera todas as misérias e todas as crises comerciais - que, numa outra organização social, destruirá essa mesma miséria e essas funestas flutuações.
Fica pois clarissimamente demonstrado:
a) que a partir de agora todos os males devem ser atribuídos exclusivamente à atual ordem social, que já não se adapta mais à situação;
b) que já existem os meios de eliminar completamente esses males, mediante a instauração de uma nova ordem social.
XIV - Como deverá ser essa nova ordem social?
Antes de mais nada, ela tirará o funcionamento da indústria e de todos os ramos da produção das mãos de particulares concorrentes entre si e o entregará a toda a sociedade, quer dizer, à comunidade, para funcionar segundo um plano comum e com a participação de todos os membros da sociedade. Desse modo, abolirá a concorrência e implantará em seu lugar a associação. Além disso, como a exploração da indústria pelos indivíduos tinha por conseqüência necessária a propriedade privada - e como a concorrência nada mais é do que a forma que assume a exploração industrial realizada por proprietários privados individuais - a propriedade privada é inseparável da exploração individual da indústria e da concorrência. Portanto, também deverá ser abolida a propriedade privada, que será substituída pela utilização em comum de todos os instrumentos de produção e pela distribuição dos produtos com base num acordo comum, ou seja, pela chamada comunidade dos bens. A abolição da propriedade privada é, de fato, a síntese mais concisa e mais característica da transformação da ordem social em seu conjunto, transformação essa que deriva do desenvolvimento da indústria; é por isso que os comunistas fazem dela sua principal reivindicação.
XV - Isto quer dizer que a abolição da propriedade privada não era possível antes?
Não, não era possível. Toda transformação da ordem social, toda revolução das relações de propriedade, sempre foi a conseqüência necessária do nascimento de novas forças produtivas, que já não correspondiam mais às velhas relações de propriedade. A própria propriedade privada surgiu dessa maneira. A propriedade privada não existiu sempre; quando, nos fins da Idade Média, foi criado com a manufatura um novo tipo de produção que não se deixava subordinar à propriedade feudal e corporativa então vigente, essa manufatura , que já não se ajustava mais às velhas relações de propriedade, gerou uma nova forma de propriedade, a propriedade privada. Para a manufatura e para a primeira etapa de desenvolvimento da grande indústria, não era admissível qualquer outra forma de propriedade senão a propriedade privada e nenhuma outra ordem social senão a ordem social baseada na propriedade privada. Enquanto a produção não for suficiente tanto para cobrir as necessidades de todos como também para fornecer um certo excedente de produtos destinados ao incremento do capital social e ao ulterior desenvolvimento das forças produtivas, devem existir necessariamente uma classe dominante que disponha das forças produtivas da sociedade e uma classe pobre, oprimida. Como essas classes se constituem é algo que depende, em cada caso, do grau de desenvolvimento da produção. A Idade Média, que dependia da agricultura, nos dá o senhor feudal e o servo; as cidades do fim da Idade Média nos mostram o mestre-artesão, o oficial e o diarista; o século XVII, os manufatureiros e os operários de manufatura; o século XIX, o grande fabricante e o proletário. É evidente que, até o presente, as forças produtivas ainda não estavam desenvolvidas para produzir o suficiente para todos e a propriedade ainda não era um entrave, um obstáculo a essas forças produtivas. Mas hoje, quando, graças ao desenvolvimento da grande indústria, em primeiro lugar, produziram-se capitais e forças produtivas em proporções jamais conhecidas antes e existem, além disso, os meios para aumentar ao infinito e rapidamente essas forças produtivas; quando, em segundo lugar, tais forças produtivas estão concentradas nas mãos de um reduzido número de burgueses, enquanto a grande massa do povo se proletariza cada vez mais e sua situação torna-se cada vez mais miserável e insustentável, na mesma proporção em que aumentam as riquezas dos burgueses; quando, em terceiro lugar, essas forças produtivas, poderosas e fáceis de serem incrementadas, ultrapassam a tal ponto os marcos da propriedade privada e do burguês que provocam a todo instante as mais violentas perturbações da ordem social - hoje então, a abolição da propriedade privada tornou-se não só possível, como também absolutamente necessária.
XVI - Será possível a abolição da propriedade privada por via pacífica?
Seria desejável que isso pudesse acontecer e os comunistas seriam, com toda certeza, os últimos a isso se oporem. Os comunistas sabem muito bem que todas as conspirações são não apenas inúteis, mas até mesmo prejudiciais. Sabem muito bem que as revoluções não se fazem deliberadamente ou por vontade, mas são sempre e em todos os lugares a conseqüência necessária de circunstâncias absolutamente independentes da vontade e da direção de uns ou outros partidos e mesmo de classes inteiras. Mas vêem também que o desenvolvimento do proletariado é reprimido com violência em quase todos os países civilizados e que, com isso, os adversários dos comunistas nada mais fazem do que trabalhar com todas as forças para uma revolução. E se, nessas condições, o proletariado oprimido for finalmente impelido para uma revolução, nós, comunistas, defenderemos a causa do proletariado com a ação, do mesmo modo como agora a defendemos com a palavra.
XVII - A abolição da propriedade privada poderá ser feita de um só golpe?
Não, do mesmo modo que as forças produtivas existentes não podem ser multiplicadas de um só golpe na medida necessária para a instituição da comunidade dos bens. A revolução do proletariado, que com toda a probabilidade está para se produzir, só poderá portanto transformar gradualmente a sociedade atual e só poderá abolir a propriedade privada quando tiver criado a massa de meios de produção necessária para isso.
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[ * ] Este texto foi um esboço de programa para a Liga dos Comunistas, escrito por Engels no final de 1847.
[ 1 ] Engels deixou em branco o espaço correspondente à resposta desta pergunta
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